Não perca nenhum capítulo. Comece de onde você parou.
Capítulo 05
Antonela Bianchi, sentou-se no pequeno banco que ficava no balcão do bar mais badalado da cidade. Requisitou um copo de conhaque, bebendo-o de uma só vez. Ela não se importava se ainda estava vestida de noiva ou se seria o assunto principal da cidade, ela só queria esquecer que havia sido abandonada no altar.
Pediu outra rodada, para afastar os pensamentos sobre aquele dia. Antonela foi conduzida a aceitar um casamento arranjado, com um homem que ela só conhecia o nome. Embora não conhecesse suas origens, ela ficou animada. Benjamim era um homem rico, ofereceria a ela um futuro bom e ela esperou ansiosamente por aquele casamento, terminando frustrada.
A igreja estava lotada, a música alta preenchia o ambiente, camuflando o tumulto interior que Antonela sentiu quando recebeu a notícia que o noivo já não viria. Aos vinte e dois anos, ela viu os seus sonhos de construir uma família e ter filhos reduzido a nada. Saiu da igreja e ao invés de se trancar em um quarto, ela foi para o bar.
Não havia mais nenhuma perspectiva para a sua vida dali em diante. Ela havia se tornado a decepção da sua família. Desejou ter a chance de conhecer Benjamim e fazê-lo pagar pela desonra de sua vida. Agora era tarde demais, tudo estava arruinado e só restava a ela beber mais um drink e esquecer seus problemas, nem que fosse por uma noite.
— Há alguma festa a fantasia na cidade, que eu não estou sabendo? – uma voz masculina soou nos seus ouvidos, fazendo Antonela revirar os olhos. Tudo o que ela não precisava para aquela noite era piada sobre o modo como se vestia.
Ela estava tão imersa em seus problemas, que não percebeu o homem se aproximar. Girando o pescoço para olhá-lo, já pronta para respondê-lo com arrogância, foi obrigada a engolir suas próprias palavras. O olhar dele era profundo, capaz de desnudar sua alma. Mas o que realmente chamou a atenção de Antonela e a deixou fascinada foi a beleza que havia nele.
— Uma festa à fantasia seria o menor dos meus problemas – engoliu a seco, sorrindo tímida – hoje era o meu casamento, mas o maldito do meu noivo me abandonou no altar.
O homem desviou o olhar e um sorriso repuxou seus lábios, mas logo desapareceu. Ela ficou perdida nos traços dele. Ele era forte, ela conseguia ver seus músculos através da camisa social branca, que tinha os botões abertos. Seu rosto bem desenhado, os olhos de um verde intenso.
— Lamento muito – as palavras deles fizeram-na submergir de volta à realidade.
— Não sinta nada – respondeu, recuperando a fala e desviando o olhar – pensando melhor, foi um livramento não ter me casado com aquele homem. Imagina ele chegando na igreja e eu descobrindo que ele é feio, cheio de manias e vícios.
O homem parecia se divertir com suas palavras. Pediu ao garçom uma garrafa com água, o que fez Antonela achar bem estranho.
— Você quer conversar? – ele perguntou, enquanto abria a garrafa e tomava um longo gole de água.
— Eu não quero conversar. Por que eu contaria a um estranho que fui forçada a me casar com um homem sem rosto? E que, embora jamais tenha visto ele em toda a minha vida, estou sofrendo por ser abandonada, sabe lá Deus, por qual motivo – ela resmungou – quem não iria querer se casar com Antonela Bianchi?
Realmente, somente um homem insensato não se casaria com aquela mulher. Antonela era ruiva natural. Seus olhos cinzas dava um contraste a sua pele delicada e as sardas em seu rosto. Os lábios carnudos que envolvia o copo enquanto ela bebia o seu decimo drink, fez o homem desejá-la.
— O que acha de sairmos daqui? Talvez uma caminhada possa ajudá-la a organizar a mente – Antonela observou o homem se aproximar dela e o corpo dele encostando no seu provocaram arrepios involuntários.
— É uma ótima ideia – ela suspirou com a ideia de ficar com aquele homem lindo.
Se levantou animada, embora se sentisse ligeiramente tonta devido à bebida forte que havia tomado. Cambaleou para o lado quando o homem a segurou pela cintura. O toque dele era forte e seu perfume sedutor. Com os pés descalços, ela saiu do bar ao lado dele. Ele não a soltou por nem um minuto, até a colocar em seu carro.
Se Antonela estivesse sóbria, acharia que ficar com um estranho era uma loucura, mas ela estava bêbada e esse pensamento nem sequer passou pela sua mente. Ela apenas foi conduzida por ele a um hotel e seus beijos quentes roubaram dela até seu último folego.
Ela se lembrava apenas dele chamando o nome de uma mulher que não era ela, mas não deu importância. Quando acordou no dia seguinte, estava sozinha, enrolada em um lençol, sem se lembrar direito como havia parado ali.
Se vestia lentamente, sentindo a cabeça explodindo em uma dor interminável, quando seu celular vibrou. Olhou para tela e identificou a chamada. Atendeu a ligação, mas não disse nada, apenas esperando a voz do outro lado começar a falar sem parar.
— Onde você está, Antonela? – Ela teve a sensação de estar ouvindo em uma caixa de som – sua mãe já ligou para minha casa uma dezena de vezes, depois do que aconteceu ontem…
— Não continue, Dominique – ela interrompeu a fala da melhor amiga – só venha me buscar naquele hotel que fica na entrada da cidade. Acho que cometi uma grande loucura.
— O que você fez, Antonela? – perguntou apreensiva.
— Depois conversamos, eu prometo contar tudo – disse quando se lembrou de algo a mais – e por favor, traga analgésicos. Estou sentindo dores de cabeça horríveis.
Era claro que Dominique queria prolongar a conversa e saber tudo o que estava acontecendo, mas Antonela encerrou a ligação. Procurou os sapatos, mas não o encontrou em lugar algum. Sem muita paciência, ela saiu do hotel vestida de noiva e com os pés no chão. Tinha a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado. Parou em frente ao prédio, apenas esperando Dominique ir buscá-la.
Vinte minutos depois, o Chevette 1993 estacionou. Ela entrou no veículo sob o olhar apavorado da melhor amiga.
— O que faz nesse hotel? – Ela revirou imediatamente os olhos quando pensamentos aleatórios surgiram em sua mente - não me diga que você…
— Dormir com um estranho, após ser abandonada no altar por outro estranho? – Dominique tinha a expressão horrorizada no rosto – foi exatamente isso o que fiz. Mas ele era tão lindo, amiga.
— Está me dizendo que você dormiu com um homem que você nem sabe o nome? – Antonela ficou em silêncio – você está brincando, não é?
— Eu dormiria com um estranho de qualquer jeito – ela respondeu, massageando a cabeça que não parava de doer – ao menos vi o rosto de um deles. E ele era o homem mais lindo que eu já vi em toda a minha vida.
Dominique a levou de volta para casa e Antonela mal havia chegado quando foi fuzilada com o olhar reprovador de seus pais. Ela sabia que havia se envolvido em outro grande problema.
let's continue reading 🙃
— Como conseguiu fazer isso? – O rugido furioso de Henrico fez Antonela se encolher.
Ela mal havia colocado os pés em casa e o seu pai já descontava toda a sua frustração.
— Olhe para você – os olhos furiosos dele, passeou por cada centímetro do corpo dela – está uma maltrapilha, desfilando pela cidade com esse vestido de noiva rejeitada. Você é uma vergonha para nossa família.
Francesca se aproximou com rosto vermelho de vergonha, mas Antonela não se deixou abater. Deveria estar acostumada com o modo arrogante que o próprio pai a tratava, mas ela ainda tinha esperança de amolecer aquele coração tão duro, isso se esvaziou quando ela foi abandonada no altar.
— Não fale uma coisa dessa Henrico – Francesca recriminou o marido, com um olhar severo e depois se virou para olhar para Antonela – que culpa a menina tem de ter sido abandonada?
Do outro lado da sala, Alessia, a irmã mais nova, ria baixinho, mas não o suficiente para que todos ouvissem. No fundo, ela vibrava por Antonela não ter se casado com o bilionário da cidade. Antonela, sabendo o quanto a irmã a detestava, abriu finalmente a boca para se defender.
— Você não deveria estar bravo comigo, pai – Antonela ficou tão decepcionada que a raiva foi a sua única defesa – fui obrigada a me casar com um homem que eu não conhecia e abandonada por ele logo em seguida. Por que não experimenta ir perguntar a ele os motivos de ter te envergonhado?
Henrico ficou sem palavras por alguns segundos, quando se aproximou de Antonela e desferiu um tapa em seu rosto. Aquela era a primeira vez que ele batia nela, embora as palavras que ele dissesse constantemente desse a Antonela a mesma sensação que ela sentia agora. Com o rosto queimando, ela se virou lentamente para olhá-lo e só encontrou ódio no rosto do pai.
— Não deve se esquecer de que ainda mora na minha casa – apontou o dedo tremulo em direção a ela – e esse casamento era a nossa salvação. Se não consegue conquistar um bom marido, a partir de hoje vai trabalhar e ajudar a sustentar a casa.
Aquilo parecia inacreditável. Henrico só visava o dinheiro e conseguia magoar a própria filha para conseguir o que tanto almejava. Antonela sentiu um nó sufocando sua garganta quando se lembrou de que a sua família estava falindo gradualmente, e que se casar com Benjamim Dylon era a única esperança de seu pai.
Ela não via nenhum problema em trabalhar, mas estava cansada do seu pai determinar os seus passos.
— Não é justo! – gritou desconfortavelmente – por que tenho que trabalhar e a Alessia não?
— Está querendo me comparar a você, Antonela? – resmungou, dando risos satisfatórios.
— Não sei que diabos você está rindo – instalou os lábios, ficando cada vez mais aborrecida – você acha que tudo o que estou passando é engraçado? Enquanto tenho que carregar a família nas costas, você faz o quê? Pinta as unhas?
Alessia deu de ombros, mas o sorriso provocador não saiu dos seus lábios em momento nenhuma.
— Já chega dessa conversa frívola – Henrico interrompeu ambas – Eu não preciso explicar que a Alessia estuda em tempo integral, não pode trabalhar. Por favor, Antonela, suba para o seu quarto, antes que eu cometa uma loucura com você.
Antonela apertou a boca em uma linha tênue, porque ela também não foi criada para responder ao seu pai, mas havia coisas pelas quais ela não podia ficar quieta. Ainda assim, se calou porque sabia que aquela conversa não a levaria para outro lugar a não ser o olho da rua.
Girou os calcanhares e começou a subir as escadas quando ouviu Alessia mais uma vez.
— Aproveite e jogue esse vestido de noiva fora – riu mais uma vez – duvido que alguém nessa cidade queira se casar com você, após ter sido abandonada no altar.
Antonela engoliu a seco e correu para o quarto. Chorou silenciosamente.
No dia seguinte acreditou que o clima na casa estaria mais tranquilo, mas assim que se sentou para tomar o seu café foi bombardeada com as exigências do pai. Ele jogou um papel na mesa e disse sem pestanejar.
— Você tem uma entrevista de emprego na mesma empresa em que seu tio trabalha – arrancou das mãos dela a xícara de café – se apresse porque você já está atrasada.
Antonela assentiu um pouco perdida, enquanto Francesca parecia inconsolável. Apenas para não deixar a mãe mais aflita, ela decidiu não desobedecer ao pai.
— Posso saber ao menos para qual cargo estou me candidatando? – ela indagou com um tom irônico.
— Vai ser a secretaria particular do dono da empresa – disse ele, já puxando pelo braço dela e a obrigando se levantar.
Antonela estava se esforçando para não desmoronar ali mesmo, mas as palavras de Henrico simplesmente a irritavam. Caminhou até Francesca e a beijou, tentando acalmá-la. Voltou para o quarto e trocou de roupa. Em seguida, ligou para Dominique, para que ela pudesse ajudá-la a ir à entrevista de emprego.
O caminho foi silencioso, como se ela estivesse de luto. Era difícil até pensar naquilo: não poder tomar suas próprias decisões e viver a vida que desejou um dia. Quando o carro parou em frente a empresa, Dominique prontamente se ofereceu a ficar ali com ela.
— Não quero atrapalhar o seu dia – disse demasiadamente desanimada.
— Eu não tenho nada de importante para fazer pela manhã – disse, tentando consolá-la – ter um apoio é importante nesse momento.
Dominique era uma excelente amiga, mas não conseguiria evitar o impacto que as decisões de Henrico estavam causando em sua vida. Ela sorriu, engolindo toda a vontade de chorar. Entraram no elevador e assim que chegaram na recepção, as pernas de Antonela travaram imediatamente. Dominique até achou que ela estava passando mal.
O rosto pálido e os olhos arregalados davam a impressão de que Antonela estava vendo um fantasma.
Ela se agachou e se escondeu por detrás do balcão. O rosto de Dominique ficou vermelho de vergonha.
— O que você está fazendo, Antonela? – se esgueirou para junto dela, segurando em seu braço e tentando colocá-la de pé novamente – parece que viu um fantasma.
— Pior do que isso, amiga – disse e olhou para o homem que estava parando alguns metros de distância – aquele homem é o mesmo que encontrei no bar ontem à noite.
Dominique olhou para onde Antonela apontava e ficou imediatamente paralisada com a beleza do homem. Em seguida, se ergueu, olhando nos olhos da secretaria, perguntando.
— Pode me informar como é o nome daquele homem?
— Ah, claro! – ela olhou para o rapaz que Dominique indicava e sorriu, respondendo – é o senhor Benjamim Dylon, o futuro dono dessa empresa.
Antonela fechou os olhos com força ao ouvir essas palavras. Aquilo não podia ser verdade.
Benjamim Dylon, o noivo que a abandonou no altar, era o mesmo homem com quem ela havia ficado na noite passada.
let's continue reading 🙃
— Precisamos sair daqui – Antonela se rastejou agachada, enquanto agarrava na mão de Dominique e ia pela escada de emergência.
— O que você está fazendo, amiga? – ela interceptou Antonela no meio do percurso, olhando em seus olhos assustados – você tem uma entrevista de emprego.
— Eu não posso trabalhar aqui – disse e, quando sentiu que o coração iria explodir, parou, encostando na parede atrás dela e deslizou o corpo até os degraus – sei que o meu pai vai querer me matar quando souber que eu não fiz a entrevista, mas eu não posso trabalhar para o Benjamim. Para o homem que me abandonou no altar e depois, fingindo que não me conhecia, me levou para a cama.
— Você não é tão inocente assim, Antonela – Dominique se agachou e, percebendo o desespero da amiga, tentou ser solidária – mas ele é um deus grego, quem resistiria a tanta beleza?
Seus olhos se estreitaram em reprovação ao comentário de Dominique. Percebeu que, no fundo, ela só tentava ajudar. Mas naquele caso, não havia muito o que fazer. Benjamim havia feito deliberadamente? Antonela não duvidava disso, mas ela não se humilharia ao ponto de ir atrás dele exigir qualquer explicação.
Voltou a se levantar, sentindo os nervos mais calmos agora e decidiu ser hora de partir. Descia as escadas apressadamente. Queria desaparecer daquele lugar antes que encontrasse Benjamim acidentalmente.
— Posso ir lá exigir uma explicação dele – disse isso, fazendo Antonela parar subitamente de tão assustada que ficou com suas palavras – ele vai ter que explicar direitinho porque abandonou você no altar.
Antonela não duvidava de que ela seria capaz.
— Esquece isso, Dominique – segurou em seus ombros, suplicando – vamos embora daqui e vamos fingir que nada disso aconteceu.
— E o que vai dizer para o velho Henrico? – aquela pergunta fez as pálpebras dos seus olhos tremerem – ele vai recusar as suas desculpas, Antonela, e você vai acabar arrumando outro problema com o seu pai.
— Melhor um problema com ele do que encarar aquele diabo dos olhos verdes – o comentário fez Dominique sorrir – além disso, eu estou farta de cumprir as ordens do Henrico.
— É o diabo dos olhos verdes mais lindo que eu já vi – o comentário fez Antonela revirar os olhos, quando ela voltou a caminhar para fora do prédio.
Em silêncio, entrou no carro, percebendo que Dominique tinha razão. Henrico não aceitaria suas desculpas, sejam quais forem elas. Precisava arrumar um emprego urgentemente, para acalmar a fúria do seu pai e para se tornar independente e finalmente ir embora daquela casa.
— Não é possível ter apenas uma vaga de emprego em toda essa cidade – ela resmungou – eu consigo um emprego melhor, em um lugar que não tenha que encarar o homem que me enganou.
— Você está certa – ela disse, dirigindo-se de volta para casa de Antonela – mas aquele emprego era o melhor que você podia conseguir.
— Por que tenho a impressão de que você está tentando me coagir?
Dominique encarou seus olhos, sentindo-se ofendida.
— Desejo o melhor para você – disse, sem olhar nos olhos dela – e se o melhor é trabalhar para o Benjamim, que seja.
Mas Antonela não permitiria que ninguém a influenciasse. Pediu que Dominique mudasse a rota e pararam no café da cidade. Enquanto tomava o café da manhã, procurava na internet vagas de emprego nas redondezas. Tinha o semblante preocupado e se frustrou quando pela segunda vez percebeu que Dominique tinha razão. Ela não encontraria um emprego melhor do que aquele.
Estava entrando em um estado de desespero quando seu celular tocou. Levou um enorme susto quando viu que a chamada era da sua casa, especificamente de Henrico.
Sentiu que infartaria e seu rosto empalideceu assim que ela atendeu a ligação e ouviu a voz furiosa de Henrico do outro lado da linha.
— Onde você está Antonela? – se questionou até quando Henrico a trataria como uma criança – o Oscar acabou de me ligar, me dizendo que você não apareceu para a entrevista.
Ela engoliu a seco, sentindo a saliva rasgar a garganta. Ela não imaginou que as notícias chegariam tão rápidas aos ouvidos de seu pai.
— Eu não quero trabalhar naquele lugar, pai – disse corajosamente e o ouviu resmungar do outro lado da linha – peço que ao menos uma única vez me deixe escolher onde quero trabalhar.
— Está achando que vai arrumar um emprego melhor do que aquele? – O tom de voz dele era excessivamente alto, que Antonela achou que ficaria surdo só em ouvi-lo – Vai trabalhar com o que, Antonela? De garçonete? Porque isso é o máximo que você conseguirá com a formação que tem.
Sentiu como outro tapa sendo desferido em seu rosto. Engoliu toda a dor que as palavras de Henrico causavam em seu coração e ousadamente lhe disse:
— Estou procurando – disse e ele resmungou pela décima vez – não me espere para almoçar. Voltarei para casa só à noite.
Ela encerrou a ligação sem se despedir, o que deixaria Henrico endiabrado. Fechou os olhos com força enquanto sentia Dominique a consolar. Embora ela não concordasse com sua atitude, ela estava disposta a apoiá-la até as últimas consequências.
Antonela passou aquele dia inteiro longe de casa e, quando chegou, os pais já estavam dormindo. No dia seguinte, fez o mesmo. Saia de casa cedo e voltava tarde apenas para não ter que encarar o próprio pai.
Um mês havia se passado e ela não conseguiu um emprego, nem mesmo de garçonete. As cobranças de Henrico chegavam a ser insuportáveis e Antonela começou a considerar a ideia de voltar e se humilhar, aceitando trabalhar para Benjamim.
Quando se encontrou com Dominique naquela manhã, pediu para que ela a levasse de volta à empresa. Havia combinado com Oscar, seu tio por parte de pai, que faria a entrevista novamente, mas algo aconteceu no percurso que mudou toda a história.
Antonela correu para fora do carro assim que Dominique estacionou e colocou para fora toda a comida que havia comido naquela manhã. Ela não havia contado a ninguém, mas vinha sentindo enjoos constantes e sonolência intensa.
— Eu não gosto disso, é um péssimo sinal – fechou os olhos com força ou concluiu o pensamento – desde quando está tendo enjoos?
Antonela limpava a boca quando olhou para ela, assustada com o que via no rosto da melhor amiga.
— O que está querendo dizer com isso? – indagou.
— Só responda à minha pergunta, Antonela – enfatizou, impaciente.
— Há alguns dias – respondeu – mas sei o que você está pensando, e não há a menor chance de isso acontecer.
— Você jura que se protegeu quando transou com o Benjamim? – O rosto de Antonela ficou vermelho de repente – porque você nem se lembra direito do que aconteceu naquela noite.
Antonela se silenciou e um desespero a consumiu pouco a pouco. No mesmo instante em que entendeu o recado, Dominique agarrou o braço dela e a arrastou até uma farmácia. Compram um teste de gravidez e usam o próprio banheiro do estabelecimento para fazer o teste.
— Há mesmo necessidade de fazermos isso agora? – indagou, enquanto olhava apreensiva para o copo cheio de urina que repousava a tirinha branca do teste – vou perder pela segunda vez a entrevista e o Henrico não vai me perdoar dessa vez.
— Imagina então o que ele fará quando descobrir que você está grávida – Dominique retirou o teste e mostrou para Antonela – resultado positivo.
O coração de Antonela explodiu no peito.
Aquilo não podia estar acontecendo. Ela não podia estar grávida do seu ex-marido.
let's continue reading 🙃
Dominique a abraçou quando percebeu Antonela desmoronar em um choro interminável. A vida dela já estava difícil de suportar, agora, descobrindo que estava grávida, se tornaria um inferno.
— Precisa contar ao Benjamim a verdade – a sugestão de Dominique fez Antonela recuar, como uma ameaça de vida – ele tem a obrigação de cuidar desse filho depois de tudo o que fez você passar.
— Você está louca se acha que vou fazer uma coisa dessa – disse, enquanto pegava o copo com a urina e descartava no lixo – aquele homem nem sequer se desculpou com a minha família pela vergonha que nos fez passar. Acha que ele vai aceitar ter um filho comigo?
Dominique percebeu que as argumentações de Antonela faziam todo o sentido.
— E o que vai fazer então? – parecia impaciente, sem perceber que seus questionamentos só pioravam as coisas – porque a única solução depois dessa, é abortar essa criança.
Antonela se assustou com as palavras. Jamais pensaria naquela possibilidade. Um aborto estava fora de questão, ainda que o pai daquela criança fosse um irresponsável.
— Eu jamais faria uma coisa parecida com isso – reprovou imediatamente a sugestão – essa criança é a menos culpada dessa tragedia toda.
Pegou sua bolsa, sentindo a ansiedade sufocar sua garganta. Antonela mal conseguia respirar diante daquela situação. Milhares de questionamentos surgiam em sua mente ao mesmo tempo. Como esconderia a gravidez? Como criaria aquela criança? Como seguiria sua vida sem apoio nenhum.
— Henrico vai rejeitar uma filha solteira gravida na casa dele – de repente, os pensamentos criaram vida, escapulindo dos seus lábios – preciso arrumar um emprego e ir embora dessa cidade.
— Você não está falando sério – Dominique arregalou os olhos para ela – vai mesmo seguir em frente com essa gravidez, sabendo que isso pode arruinar a sua vida?
— Não seja tão cruel, Dominique – a recriminou – e esse será o nosso segredo. Ninguém pode saber que essa criança existe.
Pelo que parecia, Antonela já havia tomado sua decisão e, conhecendo bem, ninguém a faria mudar de ideia. Se assustaram quando o dono da farmácia bateu na porta de metal, exigindo que elas desocupassem o banheiro imediatamente. Elas estavam tão imersas no problema, que haviam esquecido onde estavam e o tempo em que permaneciam ali.
Agora no carro, Dominique parecia confusa sobre como proceder. A angústia de Antonela deixava-a vulnerável.
— O que faço agora? – olhou pelo para-brisa com o olhar perdido – te levo de volta para a entrevista ou te ajudo a fugir da cidade?
— Eu me candidatei a uma vaga de emprego fora da cidade há alguns dias – ela revelou – a entrevista foi marcada para daqui a dois dias. Se eu me esforçar um pouquinho, talvez consiga trabalhar como garçonete.
Dominique a encarou com o coração partido quando imaginou se despedindo de Antonela.
— Eu queria ter a metade da coragem que você tem – disse, enquanto levava a mão até a dela e a apertava carinhosamente – eu, no seu lugar, já teria enlouquecido.
Aquilo fez Antonela rir por alguns segundos, mas logo a angústia invadiu seu coração novamente.
— Pelo menos dessa vez, o Henrico não vai brigar comigo por faltar à entrevista pela segunda vez – comentou, divertidamente, por enganar o pai – ninguém sabia que eu iria tentar essa vaga por desespero.
— Então, você está mesmo disposta a ir embora?
— Eu não tenho outra alternativa – disse com os olhos marejados e o rosto vermelho de dor – preciso comandar a minha própria vida a partir de agora, e esse filho era o que eu precisava para tomar essa decisão.
Uma lagrima escorreu pelos olhos de Dominique quando ela se inclinou para abraçá-la. Ficaram assim por alguns minutos.
— E quando vai embora? – disse com a voz embargada, limpando o rosto encharcado pelas lágrimas.
— Hoje de madrugada – disse – tenho um dinheiro guardado, que venho economizando desde a adolescência. Acho que é o suficiente para me manter por alguns dias.
Dominique inclinou o corpo, pegando a bolsa que estava no banco de trás e retirou algumas notas de dinheiro e entregou a Antonela. A princípio, ela se recusou a aceitar, por ser uma quantia alta demais, mas acabou sendo convencida.
— É o mínimo que posso fazer por você – disse, quando Antonela pegou o dinheiro de suas mãos – mas precisa me prometer que voltará ao menos para me visitar. Quero conhecer o meu sobrinho.
Ela sorriu, prometendo, embora soubesse que seria difícil cumprir com sua palavra. Antonela partiria daquela cidade para nunca mais voltar. Chegou em casa silenciosamente e encarou os olhos furiosos de Henrico e, antes de ele começar a falar qualquer coisa, ela lhe disse.
— Eu conseguir um emprego, pai – ele arregalou os olhos surpresos para ela, mas havia traços de descrença – começo amanhã e depois disso o senhor nunca mais terá que se preocupar comigo.
Olhou para ele pela última vez e subiu as escadas. Passou a tarde arrumando suas coisas para partir. Chorava com as lembranças e se lamentava por sua vida ter tomado um rumo tão imprevisível. Passou a mão sobre levemente a barriga, prometendo que seu filho seria o mais amado de todos, tanto que ele nem sentiria falta de um pai.
Quando anoiteceu, ela desceu para realizar o último jantar em família. Ironicamente, Henrico não estava em casa. A ausência dela traria um peso menor sobre aquele momento. Observou, Francesca prepara o seu prato favorito, enquanto Alessia se distraia com o celular, ignorando completamente a presença de Antonela.
Certamente, a única pessoa de quem Antonela sentiria falta naquela casa seria sua mãe. Francesca foi a única que sempre demonstrou amor por ela e Antonela lamentava profundamente ter que decepcioná-la.
— Seu pai me disse que você conseguiu um emprego – ela vibrou de felicidade, sem imaginar que aqueles eram seus últimos momentos com Antonela.
— Já era tempo, né, mãe – comentou maldosamente Alessia – Antonela não faz nada nessa casa, além de procurar emprego. É uma completa inútil.
O sangue de Antonela ferveu para dar a Alessia uma resposta à altura, mas ela não o fez, apenas disse.
— A minha inutilidade não vai ser mais um problema para você, Alessia – disse – aliás, vai desfrutar de todos os privilégios sozinha a partir de hoje.
— Não diga uma coisa dessa, Antonela – Francesca tinha o semblante pesado, tristonho – parece até mesmo que está se despedindo.
E era realmente uma despedida. Após lavarem a louça juntas, ela abraçou a mãe e se despediu, dizendo precisar dormir cedo devido ao trabalho. Mas Antonela não dormiu aquela noite. Na hora combinada, ela desceu as escadas que rangiam como se denunciasse a sua fuga e entrou no carro de Dominique. Uma hora depois, pararam na rodoviária da cidade.
— Não conte para onde vou nem sob tortura – Antonela fez ela prometer – manteremos o contato.
— Se cuida – a abraçou chorando mais uma vez – sentirei sua falta.
Ela também sentiria. Entrou no ônibus acenando pela última vez para Dominique. Segurou o choro até onde conseguiu quando finalmente entendeu que agora estava sozinha. Iria para uma cidade desconhecida para ter o seu filho longe de todo mundo.
let's continue reading 🙃
— Tem cliente esperando há mais de vinte minutos – Claus, dono da lanchonete, cerrou os dentes para Antonela. Ele estava sempre mal-humorado – se não quiser ser demitida, se apresse.
Antonela sentiu um frio percorrer a espinha só de imaginar perdendo aquele emprego.
Três anos já haviam se passado e ela se recordava de quando havia chegado naquela cidade, apenas com uma pequena bagagem nas costas e um filho gerado em seu ventre. O futuro que a aguardava não era nada promissor, mas ela conseguiu o emprego. Claus acreditou que Antonela era a garçonete perfeita que ele precisava, jovem, bonita e atraente, e essas qualidades atrairiam muitos clientes para o seu estabelecimento.
De certo modo ele estava certo, mas a beleza de Antonela também lhe causou muitas dores de cabeça. Os homens passaram a disputar a atenção da bela ruiva e as brigas ficaram cada vez mais frequentes. Quando Claus soube que Antonela estava gravida, pensou em demiti-la imediatamente, mas ela prontamente lhe prometeu que trabalharia até não aguentar mais e foi o que ela fez.
Quando o pequeno Adam nasceu e Claus colocou o seu olho nele, soube que não queria carregar a culpa por demitir Antonela com um filho tão pequeno para sustentar. Ele a manteve no emprego, embora fosse irritante e impaciente com seus serviços. Antonela seria grato a ele eternamente.
Já se preparava para servir ao cliente quando seu celular vibrou. Não reconheceu o número. Pensou que poderia ser a vizinha que cuidava de Adam e que algo poderia ter acontecido com o menino, mas quando ouviu a voz do outro lado da linha soube que o problema era bem mais grave.
— Antonela? – Dominique perguntou.
— Dominique? – os olhos dela se encheram de lagrimas.
Depois que fugiu da cidade, elas conversaram poucas vezes. Até que, em uma noite, Antonela teve o celular roubado e o contato com a melhor amiga se encerrou. Em uma ocasião, Antonela enviou para ela a foto de Adam recém-nascido com o seu novo número, pelas redes sociais, mas nunca mais depois daquele dia conseguiu falar com Dominique. Achou que algo pudesse ter lhe acontecido, mas não se aprofundou em suas preocupações. Continuou vivendo a sua vida, esquecendo o passado, embora muitas vezes sentisse saudade da amiga que ficou para trás.
— Achei que nunca mais conseguiria falar com você – a voz embargada de Antonela demonstrava sua felicidade em falar com Dominique.
Deixou a bandeja de lado e esperou que ela lhe respondesse rapidamente, mas isso não aconteceu. Um choro foi ouvido do outro lado da linha e aquilo fez o coração de Antonela disparar descontroladamente.
— Você continua aí, Antonela? – perguntou – Como está o Adam?
— Por favor, diga-me que esse choro é somente de saudade – sentiu as mãos tremerem enquanto segurava o celular – você não me ligaria depois de tantos anos, apenas para saber como o Adam está.
— Tenho péssimas notícias, amiga – puxou o ar com o nariz, fazendo um barulho de alguém que havia chorado bastante.
— Está me assustando – disse, já sentindo as bochechas queimarem de nervoso.
— A sua mãe – fez uma longa pausa, enquanto Antonela sentia que o coração pararia de bater a qualquer momento – a tia Francesca faleceu.
Foi como se o mundo ficasse mudo. Ela soltou o celular, fazendo-o cair, provocando um barulho que chamou a atenção de Claus. Ele já havia escutado a décima reclamação do mesmo cliente com a demora de Antonela em servir o seu pedido. Embora a encontrasse em estado de choque, com o rosto inundado de lágrimas e pálida, ele pareceu não se importar.
— O que está acontecendo com você, Antonela? – perguntou, mas obteve resposta – por que ainda não foi servir o cliente?
Um grito escapuliu pela garganta de Antonela segundos depois. Uma dor rasgava seu peito ao se lembrar do último momento em que teve com a mãe. Passou três anos longe dela, sem imaginar a saudade que certamente sentiu da própria filha. Sentindo a culpa a consumindo, retirou o avental e, em silêncio, saiu da lanchonete. Claus caminhava furioso atrás dela, ameaçando constantemente demiti-la, mas naquele momento, Antonela não desejou outra coisa a não ser voltar para casa e se despedir de sua mãe.
— Sinto muito por desapontá-lo – Antonela se desculpou profundamente diversas vezes – mas se quiser me demitir, faça isso agora. Preciso voltar para casa.
Jogou o avental que ainda segurava na direção dele, olhando nos olhos de Claus pela última vez, e partiu. Ele insistiu para ela voltar, mas Antonela correu pelas ruas pouco iluminadas, com uma dor cravada no peito.
Mal amanhecia quando ela pegou o primeiro trem na estação sul e partiu com Adam adormecido em seus braços. Era corajosa o suficiente para recomeçar sua vida quantas vezes fossem necessárias, embora voltar para a sua cidade natal não estivesse em seus planos. Olhou para Adam e uma lagrima escorreu de seus olhos. Francesca morreu sem nem saber que tinha um neto, pior ainda, decepcionada com a filha.
Ligou para Dominique, pedindo para que elas se encontrassem na estação de trem. A melhor amiga mal conseguia acreditar que ela estava de volta, ainda que Antonela dissesse que seria por pouco tempo. Ela não queria ficar naquela cidade, perto da família e do homem, que ela se recusava dizer o nome, a qual era o genitor de Adam.
Chegou à cidade desejando dar tempo de ir ao velório da mãe. Dominique a reconheceria em qualquer lugar. Antonela era inigualável, ainda mais quando os raios de sol refletiam em seus cabelos vermelhos.
Ficaram abraçadas por longos minutos, mas Antonela sentiu imediatamente que tinha algo de diferente na melhor amiga, mas não soube distinguir se aquilo era bom ou ruim. Não tinha muito tempo para conversar, embora sentisse precisar, teriam algum tempo para fazerem isso. Quando Dominique direcionou a atenção para o pequeno, Adam se apaixonou pelo garoto. Ele era fofo e adorável e ela o agarrou, não querendo soltar mais.
— Leve ele para a sua casa e não deixe que ninguém o veja – pediu Antonela.
— Você não pode esconder tanta beleza do mundo – disse, apertando as pequenas bochechas de Adam – mas não se preocupe, cuidarei bem dele até a sua volta.
Entraram no Chevette 1993 que continuava intacto. Dominique levou Antonela até a entrada do cemitério e desejou a ela força. Depois disso, partiu com Adam em direção à casa onde morava.
O cemitério era silencioso. Ela caminhou por alguns minutos procurando pessoas que indicassem onde sua mãe estava sendo sepultada. Quando avistou uma multidão a frente se apressou aflita. Antonela estava tão atordoada que mal reparava por onde andava e não viu o homem que vinha na sua frente, se chocando com ele de imediato.
Ela perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos. Fechando os olhos com força e sufocando o gemido de dor e revolta, ela não viu o homem estender a mão para ajudá-la. Quando percebeu tal gesto, o clima tenso não a deixou levantar a cabeça para observar quem era.
Pouco importava quem fosse, Antonela estava furiosa. Além de ser distraído, o homem estava atrapalhando-a a se despedir da própria mãe.
— Seja bem-vinda de volta, Antonela Bianchi – os olhos dela se arregalaram e ela percebeu reconhecer a voz – achei que nunca mais a veria novamente.
Antonela levantou a cabeça e olhou fixamente para o homem. De todos que ela queria encontrar naquela cidade, Benjamim Dylon era o último da sua lista.